Por Hugo Paiva
Entre as diversas discussões realizadas durante o Encontro Olhares sobre a política de proteção dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato na Bacia Amazônica e Gran Chaco, representantes dos povos indígenas do Maranhão discutiram sobre as ameaças a seus territórios e sobre as ações de proteção e gestão ambiental, realizadas por eles.
Na mesa estavam presentes indígenas Awá Guajá, considerados de recente contato, e Guajajaras, que habitam as terras indígenas Araribóia e Caru. Nas duas terras há presença de grupos indígenas isolados, e esses povos mantém relações ora de tensão quando ocorrem avistamentos acidentais na mata, ora de cuidado, pois os indígenas que moram em aldeias nessas terras se preocupam com a segurança física e alimentar dos isolados e zelam pela proteção desses territórios.
Iniciando o debate Manãxika Guajá confirmou a existência de grupos isolados na Terra Indígena Caru e afirmou já tê-los encontrado durante as caçadas realizadas por ele e seus parentes. Ele diz que os isolados que habitam aquela região são muito aguerridos e não querem saber de gente, nem branco nem indígena. Ele considera essa uma situação perigosa.
“Na minha terra quando a gente caça, a gente que vive na caçada, meu irmão, minha vó, tem índio isolado, que gosta e vive mesmo no mato. Não é como os parentes estavam dizendo, que é manso. É bravo e é perigoso para nós. A Funai tem que ajudar a gente. Ele não quer saber da gente, nem de branco. Como eu estou vendo no mapa, a terra é muito pequena para nós.. Quando a gente vai na cabeceira de um igarapé onde ficam mais os isolados , é muito perigoso para nós.” ressaltou.
Manãxika ainda falou sobre os locais onde há grupos em isolamento na TI Awá e Araribóia, e as diferenças entre esses grupos. Apontando a cabeceira de um rio no mapa ele indica onde há um desses grupos e fala sobre a ação de madeireiros na região.
“Tinha muito madeireiro lá também. Tudo acontece na terra. Ele vai para lá. Tem madeireiro lá, ele vem para cá onde a gente caça. Na Arariboia também tem. Eu fui lá faz tempo, com o Katakoa. Para ver, que tipo de índio que é. Aquele que tá lá perto de nós a gente chama mihua, como diz, índio brabo… Na Arariboia é outro. Acho que é manso. Eles cantam. A gente canta para eles, ele canta para gente”, destaca.
Antonio Wilson Guajajara, cacique da Aldeia Maçaranduba, na T.I. Caru, fala sobre a dificuldade de se preservar a floresta e o modo de vida dos isolados.
“Eu agradeço à Tupã por termos ainda essa terra bem preservada, e também aos parentes da nossa organização e do povo Awá. Temos o maior orgulho de ter eles lá, e eles precisam de cada vez mais o nosso apoio, porque não é fácil manter uma mata em pé, e principalmente manter uma etnia lá no meio daquela mata sem saber o que está acontecendo. Lá na terra Caru já esteve muito pior, mas hoje nossas organizações estão um pouco melhor. Já nos deparamos com 70 tratores devastando nossa terra, madeireiros e organizações criminosas que vem de muito longe devastar tudo”, afirma
Antônio falou ainda do trabalho de vigilância e conscientização que eles vêm desenvolvendo na região, realizados por homens e mulheres, respectivamente, por meio da Associação Indígena Comunitária Wirazu. Além do monitoramento das TIs, há a necessidade de explicar nos povoados do entorno sobre a importância do território para os povos indígenas que vivem neles.
“Precisamos de mais apoio. Vivemos da nossa terra, da nossa mata. Criamos o grupo de guardiões, que estão fazendo a vigilância, que repassam as informações para o Ministério Público, a Polícia Federal e infelizmente não tem resposta. Estamos encarando com fé e coragem. As mulheres, nossas esposas, também estão acompanhando. Temos um projeto em que elas vão a cada povoado encarando também. Tem gente que não gosta da gente nos povoados. Elas vão e dizem “vocês não podem entrar lá”, que é proibido entrar, que é área nossa.”
Nos últimos anos os incêndios criminosos tem se tornado mais um problema com o qual eles têm de lidar, como por exemplo, quando em outubro de 2015, um incêndio nos territórios já tinha devastado cerca de 220 mil dos 413 mil hectares da TI Araribóia, o que representa mais de 50% da área. Para enfrentar essa realidade os indígenas dessas terras criaram uma brigada indígena de combate ao fogo.
“Existe os madeireiros, caçadores, plantadores de droga e agora tem um novo inimigo nosso: o fogo. Tacaram fogo na nossa terra e no meio os parentes Awá. Fogo para todo lado e nós preocupados com eles. Morreram muitos animais. Imagina eles que vivem da caça e da pesca e vão caçar e não encontram mais nada agora. Estão usando essa arma contra nós. O madeireiro entra, tira a madeira e vai embora. O fogo destrói tudo no caminho dele.” Relata o cacique.
Franciel Guajajara, coordenador dos Agentes Ambientais Indígenas AAI/Wazayzar na TI Araribóia, retratou o trabalho de monitoramento do território e falou sobre as ameaças e violência sofrida pelos indígenas. Segundo ele, estão sendo ameaçados por proteger os Awá e suas terras.
“Os madeireiros estão matando os indígenas e queimando. Teve gente que já falou e creio que é verdade. Em Amarante foi queimado um Guajajara para todo mundo ver. Filmaram ainda. Imagina os parentes lá no mato. A gente não passa a mão na cabeça de ninguém, indígena ou não-indígena. Queremos punição para os teimosos. Quem não respeita. Se um índio mata um karaiwa, ele é procurado, se um karaiwa mata um índio não acontece nada. Os Guardiões (AAI) estão ali para contribuir também com a polícia para dar informações, para não ter sujeira dentro da TI. Mas a polícia entra sem pedir para o cacique. Não pode, é nosso território.”
O cacique da Aldeia Lagoa Comprida e presidente da COCCALITIA, José Inácio falou das parcerias que tem firmado com o Governo do estado e com a Secretaria de Segurança Pública e com o Batalhão de Policiamento Ambiental – BPA.
“Sentamos com o governo do MA, para criar uma comissão de políticas públicas para os povos indígenas e o governo aceitou. Estamos cobrando principalmente a Secretaria de Segurança Pública e BPA. Tem funcionado. Em Arame, Bom Jesus da Selva e Buriticupu a polícia tem fechado as serrarias. Mas queremos continuar lutando pela proteção do território. Não tem coisa mais gratificante do que ver a mata inteira, em pé.”
Dentre as falas dessa mesa, comentaram bastante o trabalho de proteção territorial que eles desenvolvem por eles mesmos. Todas essas ações são de grande importância para eles que vivem nesses territórios e para os povos isolados que vivem ali também, mas há necessidade de apoio de órgãos do Estado nessas ações de proteção do território. Os indígenas fazem o monitoramento, mas a fiscalização é responsabilidade do Estado. Como destacou Antônio Wilson, eles fornecem as informações e muitas vezes não há ações contundentes dos órgãos do Estado.
Em todas as terras indígenas citadas há grande vulnerabilidade, com altos índices de desmatamento no entorno e invasões recorrentes de madeireiros. A Amazônia maranhense é marcada pelos efeitos de um modelo de uso e ocupação do solo norteado pela expansão da fronteira agropecuária, por grandes projetos de infraestrutura e desenvolvimento, e pela exploração ilegal de recursos naturais, notadamente, os recursos madeireiros – gerando impactos ambientais, conflitos fundiários e violência no campo.
Segundo o IBAMA (2016), a retirada ilegal de madeira no Maranhão chegou a 120 mil m3 por ano, o que equivale cerca de 30 mil árvores. Apontam, ainda, que 99% da madeira retirada no estado saem de unidades de conservação federais ou de terras indígenas.
Segundo apuração feita na matéria Entre o fogo e a motoserra: os Awá Guajá da Terra Indígena Araribóia, as taxas de desmatamento na TI Araribóia são altíssimas. O acesso de madeireiros é facilitado pela rede de estradas de terra que existe na região, e a proporção de perda florestal apurada no ano de 2009 se mostra superior a qualquer outro território indígena no país. De acordo com dados do Projeto PRODES do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de 1997 até 2015 foram desmatados aproximadamente 250 km² de floresta no interior da TI Araribóia.
Em oposição a todas essas ações criminosas e como uma das estratégias de gestão e proteção territorial desse complexo de Terras Indígenas e Unidades de Conservação foi citada pelos participantes da mesa a discussão sobre a criação do Mosaico de Áreas Protegidas do Gurupi.
Segundo o Artigo 26 da Lei do SNUC (Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000) quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional.
Assim, em alguns casos os mosaicos podem ser uma das soluções para se combater os índices de desmatamento e impactos ambientais, tendo seu foco na gestão integrada de áreas protegidas e suas zonas de amortecimento, contribuindo diretamente com o ordenamento territorial e na valorização da identidade regional com bases conservacionistas.
- Manãxika Guajá da Terra Indígena Caru. Foto: Acervo CTI
- Antonio Wilson Guajajara, cacique da Aldeia Maçaranduba, na T.I. Caru (Foto: Acervo CTI)
- Franciel Guajajara, coordenador dos Agentes Ambientais Indígenas AAI/Wazayzar na TI Araribóia (Foto: Acervo CTI)
- José Inácio, cacique da Aldeia Lagoa Comprida e presidente da COCCALITIA (Foto: Acervo CTI)
- Kléber Karipuna, apresentando a mesa de debate do Maranhão (Foto: Acervo CTI)
- Xiparexa’a Guajá, durante o encontro (Foto: Acervo CTI)