Intercâmbio internacional em que indígenas da Colômbia, Peru e Brasil compartilharam experiências para proteção de povos isolados (Foto: ACT Colômbia)

Entrevista: Robinson Lopez Descanse, liderança indígena, fala sobre a assinatura do decreto de proteção aos povos isolados na Colômbia

Em entrevista para o Boletim Povos Isolados na Amazônia, Robinson Lopez Descanse, coordenador de Direitos Humanos e Paz da Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC), comentou a recente conquista do movimento indígena colombiano e os próximos passos para efetivação de uma política pública de proteção aos povos indígenas isolados no país.

Após um longo processo, o movimento indígena na Colômbia chegou a um acordo com o governo do presidente Juan Manuel Santos para a assinatura do decreto de proteção para povos indígenas isolados. No dia 17 de junho de 2018 o decreto n° 1232 de 2018 foi publicado consolidando um processo de consulta inédito, iniciado em 2013, com a participação direta de lideranças e organizações indígenas.

Por meio do decreto, o governo colombiano reconhece o direito dos indígenas de permanecer na condição de isolamento, sem contato com o restante da sociedade, através da proibição de qualquer intervenção direta ou indireta nos territórios onde se encontram esses povos.

Saiba mais sobre a assinatura do decreto: Movimento Indígena da Colômbia conquista decreto de proteção aos povos indígenas isolados

 

CTI: O que significa essa conquista? Em que medida favorece a vida dos povos indígenas isolados na Colômbia?

Robinson: Significa que o Estado colombiano a partir de agora reconhece oficialmente a existência de povos indígenas em estado natural ou isolados. Isso implica que agora o Estado tem o dever de dar a esses povos e seus territórios uma proteção especial denominada intangibilidade, a qual se declara administrativamente uma vez que se confirma a existência desses povos e seu âmbito territorial. Essa figura é distinta à do resguardo indígena e é mais rigorosa que a das áreas protegidas, já que proíbe qualquer tipo de intervenção ou ingresso de toda pessoa, natural ou jurídica, para o desenvolvimento de programas, políticas, explorações ou usos.

Além disso, estabelece que para declarar a intangibilidade territorial o Estado tem o dever de fazer um processo de registro, com o fim de adiantar a investigação a partir dos indícios de existência de povos isolados. Esse registro garante a adoção de medidas de prevenção e proteção para evitar danos e afetações aos direitos dos isolados antes que seus territórios sejam declarados intangíveis.

Também favorece que as investigações não sejam invasivas e contem com a participação dos povos indígenas que vivem no entorno dos isolados, o que dá um componente espiritual e cultural aos indícios e às metodologias para determinar a existência e a territorialidade dos povos isolados.

 

CTI: Que papel teve o movimento indígena para que o decreto fosse assinado?

Robinson: Teve um papel fundamental. Em nível mundial é a primeira vez que se faz uma consulta prévia com organizações indígenas para proteger aos povos em estado natural. Isso permitiu à OPIAC convocar as organizações indígenas locais e as autoridades tradicionais nos territórios para que contribuíssem com elementos fundamentais para a proteção. Nesse sentido, além da intangibilidade, foram formados comitês locais para desenhar as medidas de prevenção, proteção e contingência, emissão de alertas de nível de risco médio, alto ou iminente de contato e, de acordo com o contexto local, como ativar a resposta governamental diante de ocasiões que os coloquem em risco.

Dentro das medidas de prevenção, se abriu a oportunidade de fortalecer os povos indígenas que vivem no entorno dos isolados em matéria de saúde e educação, pois se parte do princípio de que se os povos indígenas que vivem no entorno dos isolados contam com uma infraestrutura adequada de saúde e educação, poderão dar a resposta efetiva aos riscos de vulnerabilidade dos direitos dos povos isolados. Isso é muito importante porque a grande maioria dos povos indígenas da Amazônia colombiana não conta com postos de saúde, nem sistemas eficazes de medicina preventiva ou paliativa, nem mesmo conta com programas de educação para profissionais da saúde ou de fortalecimento cultural para a proteção de seus territórios.

 

CTI: Quais são os próximos passos que deverão ser dados pelo Movimento Indígena e por parte do governo para garantir a proteção dos povos indígenas isolados?

Robinson: Deve ser iniciado um processo de articulação institucional e intercultural para colocar em funcionamento o Sistema de Prevenção e Proteção para Povos Isolados. Isso envolve participação dos órgãos centrais, das entidades territoriais e das entidades descentralizadas do Estado com fim de avançar a declaração de intangibilidade sobre os territórios de isolados. O Ministério do Interior deve ter uma equipe técnica que se encarregará de fazer avançar as investigações sobre os indícios da existência de isolados e projetar as ferramentas básicas para a emissão de medidas de prevenção e proteção.

O Estado colombiano deve também adotar as diretrizes das organizações internacionais, como a OTCA [Organização do Tratado de Cooperação Amazônica], a Organização das Nações Unidas [ONU] e do Sistema Interamericano de Direitos Humanos para assegurar que a proteção seja abrangente e para assegurar que os povos e organizações indígenas que vivem em torno de isolados fortaleçam sua capacidade de executar decisões de proteção aos isolados.

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