Por Rafael Nakamura
Diferentemente do Brasil e de outros países da América do Sul, o Paraguai ainda não têm uma legislação específica para a proteção de povos indígenas isolados e de recente contato. A situação de fragilidade na proteção desses povos se agravou com o avanço do agronegócio brasileiro que cruzou a fronteira e passou a afetar o Gran-Chaco, região que abrange o território tradicionalmente ocupado pelo povo Ayoreo, que até hoje tem grupos em isolamento voluntário e contato inicial.
Durante o II Encontro Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, representantes do povo Ayoreo e membros da organização indigenista Iniciativa Amotocodie falaram sobre a situação dos povos isolados e de recente contato no Paraguai e as iniciativas das comunidades indígenas para sua proteção.
Para enfrentar o avanço da soja e do gado em territórios tradicionalmente ocupados, as comunidades indígenas estão se mobilizando para construir suas próprias políticas de proteção. Uma das iniciativas é a conscientização dos próprios trabalhadores das empresas do agronegócio, já que a maioria deles é também indígena. A ONG Repórter Brasil tratou do avanço da indústria brasileira de carne no Chaco paraguaio onde aparecem denuncias de trabalho escravo indígena, segundo a reportagem.
Utilizando materiais de informação, as organizações do povo Ayoreo buscam alertar os trabalhadores sobre os riscos de uma situação de contato com os isolados e como eles devem reagir nesses casos.
“Devemos ensinar aos trabalhadores que eles [os isolados] são seres humanos e não se pode matá-los ou tratá-los como animais. Queremos sempre respeitar aos isolados, deixa-los que vivam tranquilos, respeitar suas vidas, não nos aproximarmos, nem deixar que aconteça algo que lhes cause danos”, afirma Carlos Ducubide Picanerai, representante do povo Ayoreo e membro do Conselho de Líderes do Alto Paraguai.
O povo Ayoreo está se articulando através da União Nativa Ayorea do Paraguai (UNAP) e da Central Ayorea Nativa do Oriente Boliviano (CANOB) suas organizações de base. As estratégias de proteção a partir da troca de informações estão sendo adotadas no Paraguai e na Bolívia, já que os Ayoreo isolados ocupam territórios nos dois lados da fronteira.
“Eu fui até a Bolívia e falei diretamente, em nosso idioma, com a nossa gente para que cuidem da nossa gente Ayoreo que ainda não conhece a civilização. Deixem que vivam como eles querem viver”, conta Mateo Sobode Chiquenoi, experiente liderança da UNAP.
Mateo e Carlos se preocupam com a saúde e o bem estar daqueles que chamam de parentes isolados. A relação de parentesco é clara para eles por conhecerem seus hábitos, seus objetos tradicionais e mesmo os clãs aos quais pertencem esses grupos ainda não reconhecidos pelo Estado paraguaio.
“São as populações mais vulneráveis que existem. [Os não-indígenas] Não respeitam nosso território, menos ainda o dos isolados”, lamenta Ducubide.
Nos últimos anos, o avanço da soja e do gado passou a ameaçar, a exemplo da Amazônia, também o Gran-chaco. “O desmatamento mais alto ocorre em nosso território ancestral e tradicional. Erami, o mundo Ayoreo, é a região mais ferida do mundo. A penetração dos negócios dos brancos no território está criando um desastre ambiental e um genocídio. Está sendo destruída a base fundamental de nossa vida, o território. A terra sem os recursos naturais não nos permite desenvolver nossa cultura, menos ainda os isolados”, completa Carlos Ducubide.
No Paraguai, conforme noticiado pelo observatório De Olho nos Ruralistas, a expansão da soja e do gado está relacionada, em grande medida, ao capital estrangeiro, principalmente brasileiro, e tem sido apontado pelas comunidades indígenas como principal ameaça a seus modos de vida por não respeitar as leis ambientais e a presença de povos indígenas isolados.
“O Presidente [Horacio Cartes] que agora está saindo do poder no Paraguai adquiriu cerca de 300 mil hectares no Chaco em nome de uma empresa, sua e do seu ‘irmão’, o brasileiro Dario Messer. Uma superfície de terra do mesmo tamanho do que temos para todo o povo Ayoreo do Paraguai”, denuncia Ducubide.
Amigo pessoal do Presidente Horacio Cartes, o brasileiro Dario Messer está foragido há mais de dois meses com ordens de prisão do Brasil e do Paraguai. O brasileiro, naturalizado paraguaio, é procurado pela Interpol desde maio, quando a Polícia Federal no Rio de Janeiro deflagrou a Operação Câmbio Desligo, na qual Messer é apontado como o maior doleiro do Brasil.
O Estado paraguaio ainda não adotou medidas para a proteção de povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial. Os Ayoreo que vivem em isolamento voluntário não têm uma lei específica que os proteja.
“Não contamos com segurança jurídica para a defesa dos isolados e seus territórios. Áreas que são de suma importância para a vida e mobilidade dos isolados estão sendo destruídas e não sabemos se é possível que os isolados encontrem outra forma de se mover em um ambiente tão difícil como o Gran-Chaco”, explica Ducubide.
Para piorar a situação, junto com a soja, negócios ilegais como o tráfico de drogas, o contrabando de cigarros, a presença de aventureiros e pesquisadores sem autorização também passam pelo Chaco sem o menor cuidado com a presença dos grupos isolados. Em alguns casos inclusive procurando-os para registros fotográficos e filmagens, ou, no caso dos missionários, para proselitismo religioso.