Debate com lideranças indígenas em Brasília (Foto: Rafael Nakamura / Acervo CTI)

Lideranças indígenas reivindicam participação na proteção de índios isolados

Por Rafael Nakamura

A atual conjuntura política foi tema de debate durante o II Encontro Internacional Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, realizado em Brasília no mês de junho. Participaram do evento lideranças de comunidades indígenas do Brasil, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela que discutiram os desafios nos diferentes países e reivindicaram maior participação na formulação de políticas públicas.

Realizado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o II Encontro foi organizado como fórum para promover a participação indígena na formulação de subsídios para as políticas públicas de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato.

“Como se fala de políticas, no plural, temos falado da necessidade de dialogar, trocarmos experiências. Creio que esses encontros abrem esse caminho para conversarmos também com outros países das áreas de fronteiras. Isso nos ajuda a abrir horizontes enquanto movimento indígena de que é possível nossa participação para garantir a proteção desses povos isolados”, comenta Angela Katxuyana, membro da coordenação da COIAB.

No debate, os indígenas apontaram alguns avanços, mas identificaram limites nas políticas de Estado. “[Na Venezuela] as leis existem, porém não são executadas. Acredito que em parte porque nós mesmos não nos apoderamos e não pudemos executá-las”, afirma Amelia Conde Uwottüja, da Organização Regional dos Povos Indígenas da Amazônia (ORPIA) e da Organização das Mulheres Indígenas da Amazônia (OMIDA).

Amelia Conde é do povo Uwottüja da Venezuela e lamenta que a falta de participação indígena nas decisões que afetam seu povo tem servido para facilitar a entrada de empresas nos territórios. “Seja o governo, sejam empresas, querem fazer atividades ou projetos em nossas comunidades sem consultar. Eles fazem os projetos em seus escritórios e chegam com os projetos prontos nas comunidades. Dizem que vieram consultar, mas chegam para executar projetos já elaborados. Nós queremos que antes de fazer os projetos nos consultem em nossas comunidades”, diz.

No Peru, Angela Arriola, antropóloga do programa de povos indígena isolados e de contato inicial da Associação Inter-étnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), aponta a falta de interesse político como uma agravante para que a garantia dos direitos dos povos isolados seja postergada.

“Temos leis em processo de criação há mais de 15 anos e enquanto estamos esperando, acontecem sobreposições de direitos. É muito mais rápido o mecanismo para criar lotes [de exploração de petróleo], é muito mais rápido o mecanismo para dar concessões florestais, para criar megaprojetos sobre esses espaços nos quais já está sendo reconhecida a presença de povos em isolamento e contato inicial”, aponta.

A demanda por uma maior participação das comunidades que vivem no entorno dos territórios de circulação de grupos de índios isolados é vista pelos indígenas como uma forma de efetivar esses direitos e que têm sido negligenciados pelos diferentes governos nos países da Bacia Amazônica e do Gran-Chaco.

“O Estado sempre discutiu de forma muito fechada, essa questão de povos isolados e de recente contato. Agora estamos em um momento das organizações indígenas também trazerem suas políticas de proteção e as políticas de convivência dentro dos próprios territórios. Nós sempre tivemos as nossas políticas, os nossos protocolos, as nossas formas de conviver, viver e proteger esses povos. O nosso desafio é que o próprio Estado veja as nossas políticas como uma política de proteção complementar”, opina Angela Katxuyana.

Na opinião de Conrado Rodrigo Octavio, do Centro de Trabalho Indigenista, o fortalecimento do papel das comunidades indígenas é essencial para a construção de uma política efetiva. “A participação indígena nessa agenda não é uma concorrência com o Estado, uma ameaça ao Estado, pelo contrário, só se faz política pública forte com a participação da sociedade civil”, comenta.

Durante o II Encontro Internacional Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato membros de organizações indígenas e indigenistas encaminharam uma série de propostas para subsidiar políticas públicas nos países de abrangência da Bacia Amazônica e do Gran-Chaco. As propostas estão sistematizadas no documento final do encontro.